quarta-feira, 18 de maio de 2016

Mulheres de presos das cadeias comandadas pelo PCC são foco de livro de pesquisadora da UFSCar

Entender um pouco mais sobre a jornada de mulheres de presidiários das cadeias chefiadas pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), tendo como fio condutor a família e o amor, foi a proposta de Jacqueline Ferraz de Lima, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS) da UFSCar. 
  O objetivo era retratar a histórias delas, a concepção de família para essas mulheres e a relação delas com seus parceiros. "Este é um livro que fala, acima de tudo, sobre amor, um amor incondicional", conta Jacqueline.
Este tema de estudo foi desenvolvido pela pesquisadora no projeto de mestrado no PPGAS, de 2011 a 2013, e culminou com o lançamento do livro "Mulher Fiel - Etnografia do Amor nas prisões do PCC", publicado pela editora Alameda Casa Editorial no final de 2015. O trabalho foi orientado pelo professor Jorge Mattar Villela, do Departamento de Ciências Sociais da UFSCar.
 

Jacqueline conta que começou a se interessar pelo tema durante a iniciação científica em 2009, quando cursava Ciências Sociais na UFSCar. "A antropóloga e amiga Karina Biondi estudava, no PPGAS/UFSCar, o PCC dentro das cadeias, e me passou alguns contatos de mulheres destes presos. Participei de alguns eventos sobre o tema e me interessei no assunto. Conversando com o professor Jorge, comecei a pesquisa e decidi estudar o cotidiano destas mulheres, visto que não tinha encontrado trabalho com este foco", diz a pesquisadora.
Definido que iria trabalhar com as esposas dos presos, Jacqueline percebeu que a "caminhada" da qual as mulheres falavam tanto era muito mais do que somente uma viagem de visita aos seus companheiros. "Entender um pouco mais sobre o que significava toda a preparação para o que denominam 'caminhada' ‒ o sofrimento, a dedicação, ser fiel, o amor, e questões relacionadas ‒ acabou sendo meu projeto de mestrado".

 
Foi assim que além dos estudos teóricos, Jacqueline resolveu acompanhar estas mulheres por centenas de quilômetros em suas viagens, partindo de São Paulo até a cadeia no interior do Estado, que ela prefere não identificar, onde estavam seus companheiros. Foram quatro meses acompanhando as “cunhadas” (termo utilizado pelas mulheres, pois os presos do PCC se consideram irmãos). A pesquisadora decidiu usar este termo para preservar a identidades delas. Foram conversas com centenas de mulheres que Jacqueline diz não conseguir contabilizar. "Conversei com diversas mulheres na saída dos ônibus, durante a viagem, nas paradas, antes de entrarem na cadeia para visitar seus companheiros, nas pousadas onde elas ficavam no fim de semana da viagem. Eram 45 mulheres por ônibus, sendo que no horário que eu pegava o ônibus, tinham mais 15 saindo para outras cadeias do interior do Estado", lembra.
Saber como elas vivem, como é a rotina da família com o marido preso, o que para estas mulheres significa família, ser fiel, violência, sofrimento, moral, ética, sacrifício e sagrado, qual é a relação da cadeia com a família, o que é ser mulher, ter filhos e, principalmente, o que é amor, são temas abordados por Jacqueline no livro. "Trago a perspectiva das mulheres para mostrar o quão importante elas são. O comum é julgar de antemão essas mulheres como vítimas, submissas, mas no livro abordo a ação destas mulheres. Elas estão o tempo todo reagindo ao que estão vivendo".
 
O livro começa com a discussão sobre a família na relação com a cadeia, e também apresenta a vida destas mulheres que visitam seus companheiros nas cadeias. No capítulo 2, a obra traz suas perspectivas em relação à forma como os próprios presos tratam o tema família, além de abordar outros assuntos como sofrimento e fidelidade. A pesquisadora relata que para os presos é muito importante ter família. "A família para eles, segundo as mulheres, é sagrada. Todo o sofrimento da 'caminhada' ‒ longas horas de viagem, revistas vexatórias, humilhações verbais, alimentos e presentes para os maridos jogados fora pelo agente prisional, e até recusa das visitas ‒ era visto pelos seus companheiros como sagrado". A pesquisadora conta que mesmo quando aborda a opinião dos companheiros, esta é sempre comunicada pelo ponto de vista das mulheres. 
No capítulo 3, Jacqueline traz a perspectiva das “cunhadas” sobre ter a família completa com o fim da prisão. "Vou tentando articular isso com uma série de diferenças que elas trazem sobre como é possível manter uma família quando se está na caminhada. Trago aqui o conceito de ser fiel descrito por elas, daí o título estar em itálico, pois é um termo das ‘cunhadas’”. Para essas esposas, a fidelidade está atrelada à dedicação delas a este marido preso, quando estão fazendo a caminhada, aguentando todo sofrimento da viagem.
Jacqueline viajou quatro meses para uma cadeia no interior de São Paulo de domínio atribuído ao PCC. Mulheres que visitavam seus companheiros em outros estabelecimentos penais também contribuíram com o trabalho. A pesquisadora conta que adotou este universo inclusive pelo fato das próprias mulheres apontarem a dificuldade de misturar suas opiniões com a esposas dos “coisas”, expressão utilizada por elas para definir presos condenados por estupros e outros crimes não aceitos nas cadeias do PCC, e que são encaminhados a presídios de outros grupos. 
 

Jacqueline decidiu estudar o tema porque entendeu ser inédita a oportunidade de expor a perspectiva das mulheres de presidiários, abordando o seu cotidiano e mostrando que elas não são meramente submissas, mas protagonistas deste universo que vivem com seus maridos presos. "Minha proposta é trazer uma imagem do ponto de vista das mulheres, uma realidade que muitas vezes é tomada de antemão e definida somente como sendo submissa e vítima de violência".
 
10 anos da maior rebelião realizada pelo PCC
O dia 14 de maio de 2006, Dia das Mães, nas mãos de um preso, uma camiseta retorcida sustentava uma cabeça carbonizada. Foi assim que a maior rebelião já realizada pelo Primeiro Comando da Capital (PCC) começou no epicentro de São Paulo e se espalhou por quatro cidades do Mato Grosso do Sul. "Claro que lembramos desta cena por ter sido chocante, mas o que encontrei no depoimento das mulheres dos presos do PCC foi uma outra perspectiva. Durante a pesquisa, entre as "cunhadas" apareceram relatos surpreendentes sobre a rebelião que enfatizavam questões, para além de reivindicações, violência ou luta, mais relacionadas ao amor", conta Jaqueline, que planeja escrever um artigo trazendo estes relatos.
 

O livro foi lançado em São Carlos no final do mês de abril. Interessados em comprar o livro devem acessar o site da Alameda Casa Editorial ou procurar a obra nas principais livrarias do País.
A pesquisadora começou o doutorado em 2016, e as mulheres são novamente a pauta do seu estudo. Desta vez, Jaqueline vai abordar a relação dos projetos de políticas públicas e sociais das agricultoras rurais e suas famílias, em uma comunidade rural do noroeste de Minas Gerais. Jaqueline Ferraz também é pesquisadora associada ao grupo Hybris - Estudo e Pesquisa sobre Relações de Poder, Conflitos, Socialidades do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, ao grupo Laboratório de Estudos sobre Agenciamentos Prisionais (LEAP) e ao grupo de pesquisa Laboratório de Experimentações Etnográficas (LE-E), todos da UFSCar.

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